Francisco durante o último discurso da viagem ao Equador Foto: Reprodução / CTV |
Ao meio dia local (14h em Brasília), Papa Francisco se dirigiu ao aeroporto de Quito de onde seguiu para La Paz, Bolívia, para dar início a segunda parte de sua viagem apostólica.
Confira abaixo a íntegra do discurso preparado pelo Santo Padre para o clero, religiosos e seminaristas no Santuário Nacional Mariano "El Quinche".
Queridos irmãos e irmãs!
Trago aos pés de Nossa Senhora de Quinche o que vivi nestes
dias da minha visita; quero deixar no seu Coração os idosos e doentes com quem
acabo de partilhar alguns momentos na casa das Irmãs da Caridade, bem como
todos os outros encontros anteriores. Deixo-os no Coração de Maria, mas também
os deposito no vosso coração: sacerdotes, religiosos e religiosas,
seminaristas, para que, chamados a trabalhar na vinha do Senhor, sejais
guardiões de tudo o que este povo do Equador vive por entre lágrimas e
alegrias.
A D. Lazzari, ao Padre Mina e à Irmã Sandoval agradeço as
suas palavras, que me dão motivo para partilhar com todos vós algumas coisas
relativas à nossa solicitude comum pelo Povo de Deus.
No Evangelho, o Senhor convida-nos a aceitar a missão, sem
pôr condições. É uma mensagem importante, que convém não esquecer, ressoando,
com um acento especial, neste Santuário dedicado à Virgem da Apresentação.
Maria é exemplo de discípula para nós, que, como Ela, recebemos uma vocação. A
sua resposta confiante – «faça-se em mim segundo a tua palavra» – lembra-nos as
suas palavras nas bodas de Caná: «Fazei o que Ele vos disser» (Jo 2, 5). O seu
exemplo é um convite a servir como Ela.
Na Apresentação da Virgem, podemos encontrar algumas
sugestões para a nossa própria chamada. A Virgem Menina foi um presente de Deus
para os seus pais e para todo o povo, que esperava a libertação. É um facto que
se repete frequentemente na Escritura: Deus responde ao clamor do seu povo,
enviando uma criança, frágil, destinada a trazer a salvação e que, ao mesmo
tempo, restaura a esperança de uns pais idosos. A palavra de Deus diz-nos que,
na história de Israel, os juízes, os profetas, os reis são um presente do
Senhor para fazer chegar a sua ternura e misericórdia ao seu povo. São sinal de
gratuidade de Deus: foi Ele quem os elegeu, escolheu e destinou. Isto
afasta-nos da auto-referencialidade, faz-nos compreender que já não nos
pertencemos, que a nossa vocação requer que nos afastemos de todo o egoísmo, de
toda a busca de lucro material ou compensação afetiva, como nos disse o
Evangelho. Não somos mercenários, mas servidores; viemos, não para ser
servidos, mas para servir, fazendo-o com desprendimento total, sem bastão nem
bolsa.
Algumas tradições sobre a invocação de Nossa Senhora de
Quinche dizem-nos que Diego de Robles fez a imagem por encomenda dos índios
Lumbicí. Diego não a fez por devoção, fê-la para tirar proveito económico. Como
não lhe puderam pagar, levou-a a Oyacachi e trocou-a por tábuas de cedro. Mas
Diego negou-se a atender o pedido daquele povo para que lhes fizesse também um
altar para a imagem, até que, caindo do cavalo, encontrou-se em perigo e sentiu
a protecção da Virgem. Voltou à aldeia e fez o pedestal da imagem. Todos nós
também já fizemos a experiência de um Deus que Se nos atravessa diante e que,
na nossa realidade de caídos, derrubados, nos chama. Que a vanglória e o
mundanismo não nos façam esquecer onde Deus nos resgatou! Que a Virgem Maria de
Quinche nos faça descer dos postos de ambições, interesses egoístas, cuidados
excessivos de nós mesmos!
A «autoridade», que os apóstolos recebem de Jesus, não é
para seu próprio benefício: os nossos dons são para renovar e construir a
Igreja. Não vos negueis a partilhar, não resistais a dar, não vos fecheis na
comodidade; sede mananciais que transbordam e refrescam, especialmente a bem
dos oprimidos pelo pecado, a desilusão, o rancor (cf. EG 272).
O segundo traço que me evoca a Apresentação da Virgem é a
perseverança. Na sugestiva iconografia mariana desta festa, a Virgem Menina
afasta-se de seus pais subindo a escadaria do Templo. Maria não olha para trás
e, numa clara referência à advertência evangélica, caminha decididamente para
diante. Nós, como os discípulos do Evangelho, também nos pusemos a caminho para
levar a cada povo e lugar a boa nova de Jesus. A perseverança na missão implica
não mudar de casa para casa, buscando onde nos tratem melhor, onde haja mais
recursos e comodidades. Supõe unir a nossa sorte à de Jesus até ao fim. Alguns
relatos das aparições da Virgem de Quinche dizem que uma «senhora com um menino
nos braços» visitou várias tardes seguidas os indígenas de Oyacachi, quando estavam
refugiados por causa do assédio dos ursos. Várias vezes veio Maria ao encontro
dos seus filhos; eles não acreditaram nela, desconfiavam daquela senhora, mas
admiravam a sua perseverança de voltar cada tarde ao pôr-do-sol. Saibamos
perseverar, mesmo que nos rejeitem, ainda que se faça noite e cresçam a
confusão e os perigos. Perseverar neste esforço, sabendo que não estamos
sozinhos, que é o Povo Santo de Deus que caminha.
De certo modo podemos ver, na imagem da Virgem Menina
subindo ao Templo, a Igreja que acompanha o discípulo missionário. Ao lado
d’Ela, estão os seus pais, que Lhe transmitiram a memória da fé e agora,
generosamente, A oferecem ao Senhor para que possa seguir o seu caminho; está a
sua comunidade, representada no «séquito das virgens, suas companheiras», com
as lâmpadas acesas (cf. Sal 44, 15), nas quais os Padres da Igreja viram uma
profecia de todos os que, imitando Maria, procuram sinceramente ser amigos de
Deus, e estão os sacerdotes que esperam para A receber e que nos lembram que, na
Igreja, os pastores têm a responsabilidade de acolher com ternura e ajudar a
discernir cada espírito e cada chamada.
Caminhemos juntos, sustentando-nos uns aos outros e peçamos,
com humildade, o dom da perseverança ao serviço deles.
Nossa Senhora de Quinche foi ocasião de encontro, de
comunhão, para este lugar que, desde os tempos dos Incas, se tornara uma
povoação multiétnica. Como é belo quando a Igreja persevera no seu esforço por
ser casa e escola de comunhão, quando geramos aquilo a que me apraz chamar a
cultura do encontro!
A imagem da Apresentação diz-nos que a Virgem Menina, depois
de abençoada pelos sacerdotes, sentou-se nos degraus do altar e dançou a seus
pés. Penso na alegria que se expressa nas imagens do banquete das núpcias, dos
amigos do noivo, da noiva adornada com as suas joias. É a alegria de quem
descobriu um tesouro e vendeu tudo para o adquirir. Encontrar o Senhor, viver
na sua casa, participar da sua intimidade compromete a anunciar o Reino e levar
a salvação a todos. Cruzar os umbrais do Templo exige tornar-nos, como Maria,
templos do Senhor e pôr-nos a caminho para O levarmos aos irmãos. A Virgem,
como primeira discípula missionária, depois do anúncio do Anjo, partiu sem
demora para uma cidade de Judá, a fim de compartilhar esta alegria imensa, a
mesma que fez São João Batista saltar no seio da sua mãe. Quem ouve a sua voz
«salta de alegria» e torna-se, por sua vez, um pregoeiro da alegria. A alegria
de evangelizar move a Igreja, fá-la sair como Maria.
Embora sejam múltiplas as razões que se invocam para a
transferência do santuário de Oyacachi para este lugar, limito-me a uma: «aqui
é e tem sido mais acessível, mais fácil para estar perto de todos». Assim o
entendeu o arcebispo de Quito, Frei Luis Lopez de Solís, quando mandou edificar
um Santuário capaz de atrair e acolher a todos. Uma Igreja em saída é uma
Igreja que se aproxima, que desce para não estar distante, que sai da sua
comodidade e ousa chegar a todas as periferias que precisam da luz do Evangelho
(EG 20).
Agora vamos regressar às nossas tarefas, solicitadas pelo
Santo Povo que nos foi confiado. Entre elas, não esqueçamos de cuidar, animar e
educar a devoção popular que experimentamos neste santuário e tão generalizada
em muitos países latino-americanos. O povo fiel soube expressar a fé com a sua
própria linguagem, manifestar os seus sentimentos mais profundos de dor,
dúvida, alegria, fracasso, gratidão com várias formas de piedade: procissões,
velas, flores, cânticos que se transformam numa bela expressão de confiança no
Senhor e de amor à sua Mãe, que é também a nossa.
Em Quinche, a história dos homens e a história de Deus
convergem na história duma mulher, Maria, e numa casa, a nossa casa, a irmã mãe
terra. As tradições desta invocação falam dos cedros, dos ursos, da fenda na
rocha que foi aqui a primeira casa da Mãe de Deus. Falam-nos no ontem de aves
que rodearam o lugar e no hoje de flores que enfeitam os arredores. As origens
desta devoção levam-nos para tempos onde era mais simples «a harmonia serena
com a criação (…), contemplar o Criador, que vive entre nós e naquilo que nos
rodeia e cuja presença não precisa de ser criada» (LS 225) e que Se nos
manifesta no mundo criado, em seu amado Filho, na Eucaristia que permite aos
cristãos sentirem-se membros vivos da Igreja e participarem ativamente na sua
missão (cf. Aparecida, 264), em Nossa Senhora de Quinche, que, a partir daqui,
acompanhou os alvores do primeiro anúncio da fé aos povos indígenas. A Ela
recomendamos a nossa vocação; que Ela faça de nós um presente para o nosso
povo, que Ela nos dê a perseverança na entrega e a alegria de sair para levar o
Evangelho de seu Filho Jesus – unidos aos nossos pastores – até aos confins,
até às periferias do nosso querido Equador.
0 comentários:
Postar um comentário